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Museus Orgânicos

Publicado em 30/06/25

Locais de memória afetiva e cultura viva no Ceará

 

Ao entrar em um museu você se depara com o passado. É uma visita à história contada por meio de objetos expostos e uma narrativa já construída. Nesse caso, cabe ao visitante, na maioria das vezes, apenas observar. Num museu orgânico essa perspectiva muda e a experiência também, já que, orgânico nos remete a algo vivo e, portanto, em movimento. Dessa forma, dando vida aos mestres da cultura e aos seus ensinamentos, o Sistema Fecomércio, por meio do Sesc, vem espalhando pelo Ceará, os Museus Orgânicos.

De acordo com o Conselho Internacional de Museus (International Council of Museums), museu é um espaço que conserva, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e apreciação da sociedade. Em parceria com a Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, o Sesc estabeleceu o museu orgânico, um espaço baseado no vínculo com a história e dos lugares onde vivem os mestres de cultura popular.

O projeto transforma as casas, oficinas e territórios de atuação dos mestres em espaços vivos de memória e interação, onde o público pode se conectar diretamente com as tradições. Objetos pessoais, fotografias, vestimentas, instrumentos e tudo que marca o dia a dia e consolida as manifestações tradicionais são algumas das características presentes nesses locais.

Porém, muito além da simples exposição de objetos ou obras, os museus orgânicos carregam consigo uma definição muito mais profunda, refletindo a conexão entre os mestres e seus ofícios, tornando-se verdadeiros santuários culturais, onde os saberes e experiências se misturam.

Até o momento, o Sesc já inaugurou 22 museus nas regiões do Cariri, Sertão Central, Centro-sul, região Norte, Ibiapaba e Região Metropolitana de Fortaleza. Eles homenageiam os ciclos do couro, dos reisados, do algodão, do ferro e do açúcar, da arte feita do barro, das brincadeiras tradicionais, da natureza local e da cultura quilombola.

 

Conceito

A professora da Universidade de Coimbra e coordenadora do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património (CEAACP), Conceição Lopes, explica que o conceito de museu orgânico refere-se a um espaço de cultura e saber que nasce de uma relação viva e contínua entre a comunidade e seu patrimônio cultural. “Diferentemente dos museus tradicionais, que são instituições físicas que deslocam os acervos dos seus contextos e os exibem no quadro de curadorias que, por vezes desconectam os objetos das suas circunstâncias, os museus orgânicos estão inseridos no cotidiano das comunidades e valorizam a memória coletiva, o saber popular e as práticas culturais locais”, esclarece.

Conceição Lopes informa que, para um espaço ser reconhecido como um museu orgânico é necessário apresentar algumas características essenciais, como inserção na comunidade, valorização do patrimônio, espaço dinâmico e vivo, participação ativa da população e sustentabilidade cultural e social.

Para Conceição Lopes, os museus orgânicos devem responder a tais características, pois são instrumentos de políticas de desenvolvimento territorial, tendo importância social e cultural. Esses espaços, pontua, fortalecem a identidade cultural local, dando visibilidade às tradições e aos modos de vida das comunidades; promovem o turismo sustentável, gerando oportunidades econômicas sem descaracterizar os territórios; incentivam a educação patrimonial, aproximando crianças, jovens e adultos de suas próprias histórias e raízes; criam espaços de resistência cultural, garantindo que saberes tradicionais não sejam esquecidos; e promovem a participação cidadã, dando possibilidade a todos de poderem atuar junto das instituições e de serem representados junto das instâncias de decisão das estratégias de cultura e desenvolvimento.

 

Espaço de afeto e de troca

De acordo com o gerente de cultura do Sesc Ceará, Alemberg Quindins, os Museus Orgânicos são por natureza um trabalho em constante evolução. Não sendo apenas espaços de exibição, mas ambientes vivos, dinâmicos e interativos, que se renovam a cada visita. “Ao contrário dos museus tradicionais, onde o público se coloca como espectador, nos Museus Orgânicos o visitante é convidado a se integrar de maneira espontânea e ativa com os mestres e suas histórias. Os espaços são, na verdade, lugares de aprendizagem mútua, onde o visitante não apenas observa, mas também sente que faz parte da história”, explica.

A pesquisadora e professora da Universidade Federal de São Paulo, na área de Ética, Ambiente e Sociedade, Andrea Rabinovici, entende que o projeto é importante e inovador, além de ser difícil de descrever, pois provoca experiências intensas, que podem variar a cada visita, a cada pessoa e a cada museu. “Para mim, o que mais chama a atenção é serem museus para conversar, podendo ser espaços de afeto, de trocas, de aprendizados sobre pessoas e realidades desconhecidas para a maioria das pessoas e também porque contam muito sobre a realidade do Ceará e de sua gente”, define. 

Segundo Andrea, um museu orgânico oferece ao visitante um espaço de interação importante, de aprendizados, sentimentos e afetos que afloram e que são compartilhados. “Não se sabe o que vai acontecer nestes encontros. Os anfitriões podem estar presentes, ocupados, preocupados com algo, porém costumam acolher as visitas com alegria e ofertando um café. São museus sobre o passado, o presente e o futuro e, representam sempre mais do que uma pessoa, e sim uma coletividade por estarem inseridos no território e por serem pessoas reconhecidas nele, pelos seus saberes e fazeres”, pondera.

 

Rede de memória e tradição

O projeto nasceu com o amadurecimento da parceira com a Fundação Casa Grande, localizada na cidade de Nova Olinda, para o fortalecimento de uma rede formada por lugares de memória, sendo o Sesc um ativador desses espaços.

Os candidatos à museu orgânico passam por pesquisas e estudos consistentes a respeito de cada tradição cultural, suas referências coletivas e o impacto na comunidade. O Sesc Ceará vai a campo para visitar os espaços com o intuito de entender suas histórias e a sua importância enquanto patrimônio imaterial.

Deste modo, são organizados os espaços com os acervos de vestimentas, fotografias e instrumentos utilizados. As intervenções durante o desenvolvimento do museu orgânico são realizadas de maneira colaborativa da equipe do Sesc Ceará junto ao acompanhamento dos mestres e de suas famílias.

 

Características essenciais de um museu orgânico

  • Inserção na comunidade: o museu deve estar enraizado na vida da população local, sendo gerido e mantido por seus próprios habitantes. 
  • Valorização do patrimônio: as histórias, tradições, artes, ofícios e manifestações culturais da comunidade devem ser o foco principal. 
  • Espaço dinâmico e vivo: diferente dos museus convencionais, os museus orgânicos criam-se em ambientes variados, como casas de mestres da cultura, espaços de funcionamento de oficinas de artesãos ou indústrias inovadoras e de produção de materiais que a comunidade reconhece como parte da sua afirmação cultural. 
  • Participação ativa da população: os moradores desempenham um papel fundamental na preservação, na transmissão dos saberes e na mediação com os visitantes. Sustentabilidade cultural e social: deve haver um compromisso com a continuidade das práticas culturais e o desenvolvimento da comunidade.