Por Ascom, 26/09/25 - 10:59
O território do Ceará possui aproximadamente 573 quilômetros de litoral banhado pelo Oceano Atlântico, alcançando 27 municípios. Essa faixa litorânea, formada de areia e mar, carrega riquezas imensuráveis como cultura, identidade e tradição. O Encontro Sesc Povos do Mar, projeto criado pelo Sesc Ceará há 15 anos, resgata, divulga e fortalece esse conjunto de conhecimentos, crenças, valores, costumes, práticas e comportamentos para que não se percam e para que sejam vistos e repassados às futuras gerações.
O presidente do Sistema Fecomércio Ceará, Luiz Gastão, idealizador do projeto, conta que tudo começou quando percebeu a importância das comunidades litorâneas manterem suas tradições para que fossem transmitidas às novas gerações, divulgando, assim, suas práticas. Para isso, o primeiro passo foi incentivar o associativismo e promover uma constante articulação comunitária.
“Foi essa a nossa primeira motivação ao pensar no projeto Povos do Mar. O Sistema Fecomércio, por meio do Sesc, passou a articular encontros, mobilizar as comunidades, contribuindo de forma efetiva para criar uma rede colaborativa nas comunidades litorâneas. A iniciativa do Sesc Ceará se transformou em um grande encontro anual que amplia para toda a sociedade a experiência e a vivência das comunidades litorâneas”, explica.
Assim, em 2010, nasceu o Encontro Sesc Povos do Mar, reunindo pescadores, marisqueiras, artesãos, indígenas, ciganos e quilombolas numa grande troca de experiências, sabores e saberes tradicionais que acontece por meio de vivências, oficinas, rodas de conversas e práticas alimentares.
Mapeamento
Segundo Luiz Gastão, o mapeamento das comunidades que participam do Povos acontece por meio de famílias ou associações que possam mediar essa relação com pessoas que mantêm esse vínculo com as tradições. “Mas é preciso entender que o Povos do Mar não é um encontro de representantes de associações ou um encontro de colônias de pescadores; é um encontro de pessoas que preservam os conhecimentos, que ajudam a manter as tradições e a cultura do Ceará”, esclarece,
lembrando que esse mapeamento acontece praticamente durante todo o ano.
Por isso, o Povos do Mar é, na verdade, a culminância desse trabalho realizado de maneira contínua pelo Sesc com as comunidades; um contato que permite
conhecer profundamente cada uma delas, perceber suas raízes, identificar seus mestres e, assim, poder traçar uma programação que possa refletir para toda a sociedade a riqueza dos povos originários.
“É um processo socioeducativo, plural e inovador, que possibilitou o intercâmbio entre essas comunidades, havendo uma troca de conhecimentos tão importante para o resgate e a preservação da nossa identidade. Ao visitar as famílias nas localidades e identificar o repertório de cada grupo, reconhecemos a relevância da sabedoria popular. São 15 anos construindo esse projeto que é pioneiro no Brasil e que muito nos orgulha”, destaca Luiz Gastão.
Para além-mar
Ao longo dos anos, o projeto foi crescendo, somando novas comunidades e novos municípios. Após quatro anos, o projeto se expandiu para além do litoral, nascendo, assim, o Herança Nativa, com o objetivo de dar visibilidade e valorizar as comunidades tradicionais que iam além da faixa litorânea, como as indígenas, ciganas, quilombolas, sertanejas e serranas.
O consultor de programação social do Sesc, Paulo Leitão, explica que, mais uma vez, o Sesc foi a campo reunindo os povos originários e, assim, revelando o Ceará para ele mesmo, por meio da difusão dessa cultura. “O Herança Nativa nasceu como uma extensão do Encontro Sesc Povos do Mar, porém com o objetivo de mostrar aspectos invisíveis, mas presentes, como os povos indígenas de outras etnias que se localizam
longe do litoral, e que sentiam a necessidade de serem vistos e reconhecidos”, resume.
Desfile de velas
A programação do encontro também se ampliou e foi ganhando notoriedade. É o caso da Aquavelas, uma exposição flutuante em forma de regata que integra a programação do Encontro Sesc Povos do Mar. O evento acontece há seis anos, reunindo artistas plásticos da terra, que transformam as velas em obras de arte. O público pode, então, conferir o desfile das velas, uma verdadeira exposição a céu aberto, que sempre acontece aos domingos na programação, partindo da Enseada do Mucuripe, na Beira Mar, em direção ao Mercado do Peixe, na Vila do Mar.
Elias Silva, pescador, secretário da colônia Z-08 de pescadores de Fortaleza, é participante do Povos do Mar desde o início do projeto. Ele acompanhou toda essa trajetória, desde quando o encontro iniciou de forma tímida, no Sesc Iparana, até hoje, com uma proporção bem maior. Ele viu nascer o Aquavelas e afirma que sempre se viu dentro do projeto e representado por ele, tanto como jangadeiro quanto como artesão. “O pescador também é um artista”, define Elias.
Para ele, o Povos é plural e é bastante compreensível que ele tenha ganhado espaço para além do litoral, sendo divulgado também nas serras e sertões. “Eu me sinto realizado em participar desse encontro. O Povos, pra mim, é cultura que abrange não só o litoral, mas o Ceará como um todo”, analisa. Zé Tarcísio é um dos artistas plásticos do coletivo que pinta as velas expostas no Aquavela. Nascido em Fortaleza, ele iniciou sua carreira artística na juventude, inspirado por grandes mestres como Antônio Bandeira e Inimá de Paula. Reconhecido por sua abordagem inovadora e por representar o Brasil em mostras internacionais, ele recebeu importantes prêmios, como o Salão Nacional de Arte Moderna. Em 2024, o Ateliê Casa de Zé Tarcísio
se tornou um Museu Orgânico – projeto do Sistema Fecomércio Ceará, por meio do Sesc, em parceria com a Fundação Casa Grande.
Ele está presente desde o primeiro ano do Aquavelas e afirma que o projeto é um presente para ele, tanto pelo objetivo que tem, quanto pelo fato de possibilitar reunir os artistas num encontro onde todos têm liberdade para expressar sua arte e poder ver o que o outro está produzindo.
Outros Mares; mesmos navegadores
O encontro também se estendeu para além dos muros do Sesc Iparana. Em 2022, Luiz Gastão percebeu a necessidade de levar o Povos do Mar para outras cidades, fazendo circular a programação e alcançando outros públicos. No ano seguinte, o projeto saiu do papel, dando início ao Circuito Sesc Povos do Mar. O mesmo encontro é realizado em dois municípios, um no litoral leste, Icapuí; e outro no litoral oeste, Jericoacoara, com feira de artesanato, vivências, shows, oficinas, práticas alimentares e todo o restante da programação, movimentando não só a cultura, mas também a economia.
O Povos do Mar revela um Ceará profundo e de identidade própria, nos faz ter orgulho de quem somos. Nesses 15 anos de encontro está a raiz desse projeto e, com o circuito Povos do Mar, o Sesc possibilita que outras pessoas conheçam a programação, movimentando também a economia local e o turismo”, defende Paulo Leitão.
Após ganhar outros litorais, o projeto alcançou outro território: as serras e chapadas, levando o Herança Nativa para o município de Viçosa do Ceará, na serra da Ibiapaba – mais uma oportunidade de conquistar outros recantos do estado.
Dicumê
Dentro do Povos do Mar, uma programação é destinada especificamente para as práticas alimentares, resgatando uma cultura alimentar tão nossa, do Ceará, com pratos que nos remetem a lembranças afetivas, dos sabores, cheiros e texturas tão familiares.
Todas as atividades do DiCumê: Socialização de Práticas Alimentares e da Casa da Tapioca são
realizados pelo Senac em parceria com o programa Mesa Brasil Sesc. Várias receitas são colocadas em prática durante o evento com os mestres e mestras das cozinhas tradicionais do estado, incluindo a tradicional tapioca feita com forno de pedra.
Sobre a tapioca, Helena Moura é especialista. Natural do município de Guajiru, praia localizada
no município de Trairi, distante cerca de 133 km de Fortaleza, Tia Helena, como é conhecida, começou aos 13 anos trabalhando em casas de farinha, raspando mandioca e tirando a goma. Daí foi um passo rápido para aprender receitas de beiju e tapioca.
Em 2010, recebeu o convite para participar da Casa da Tapioca no primeiro Povos do Mar, onde
até hoje permanece atuando. “Hoje as crianças não sabem como é fabricada a goma, a farinha
de mandioca, então eu explico que a mandioca é plantada com um pezinho de maniva. Os jovens não conhecem a agricultura, e o Povos do Mar resgata tudo isso, por isso ele é tão importante”, defende.
Educação
Segundo Débora Sombra, diretora Regional do Senac Ceará, a participação do Senac no Povos
do Mar permite conhecer práticas tradicionais alimentares para que isso seja repassado em sala
de aula para os alunos. Durante anos, tais práticas foram acompanhadas tanto por professores quanto por alunos. Com isso, o Senac construiu um grande acervo de informações, que são multiplicadas em salas de aula.
“Povos do Mar é a salvaguarda das tradicionalidades e, para a Gastronomia, isso é importante, pois mantém vivas as receitas que, na maioria das vezes, só são repassadas para as próximas gerações através da oralidade. O conhecimento dos insumos, o jeito de fazer, o processo produtivo — tudo isso não está nos livros, e esses mestres trazem isso pra gente”, destaca.
Edição – 15 anos Encontro Sesc Povos do Mar
Pela primeira vez, parte da programação do Encontro Sesc Povos do Mar aconteceu na avenida Beira Mar, um dos cartões postais de Fortaleza. Lá, o público conferiu a feira de artesanato, oficinas, apresentações artísticas e o DiCumê. Em Iparana, aconteceram as palestras, rodas de conversa, trilhas e as vivências.
Entre os dias 07 e 11 de agosto, o evento reuniu mais de 200 comunidades de 41 municípios, com uma estimativa de público de 100 mil pessoas. Na área da Gastronomia, foram mais de 90 oficinas, mais de 1,2 mil kg de comida e mais de 4 mil pessoas servidas. No mar e em exposição
no calçadão da avenida, o evento reuniu 81 jangadas e suas velas pintadas, com destaque para as 15 velas inéditas dessa edição.
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