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Sesc Herança Nativa Viçosa do Ceará

Por index, 30/06/25 - 11:13

Um encontro entre gerações, saberes e territórios

 

 

Assim como as raízes silenciosas que sustentam árvores centenárias, os saberes ancestrais continuam vivos no cotidiano, nutrindo formas de existir baseadas no respeito, na coletividade e na harmonia com o meio ambiente. E foi no solo fértil da Serra da Ibiapaba que essas raízes brotaram mais uma vez durante o II Encontro Sesc Herança Nativa, realizado em Viçosa do Ceará, no mês de abril. Em 2024, o projeto completou dez anos de existência e vem se firmando como um espaço de celebração, escuta e valorização das culturas tradicionais do Ceará.

Com o tema “Saberes Ancestrais e Biodiversidade”, a 2ª edição em Viçosa proporcionou um contato direto com gerações e memórias, ao mesmo tempo em que promoveu o respeito às diferentes formas de relação com o meio ambiente. Para a diretora Institucional da Fecomércio Ceará, Cláudia Brilhante, o encontro representou uma verdadeira troca e valorização da nossa rica herança cultural.

“O intercâmbio de relações entre os povos desses municípios que participaram do Herança Nativa, em Viçosa, é uma verdadeira riqueza, algo de valor imensurável. Não se trata apenas de artesanatos ou apresentações culturais, mas sim de resgatar a autoestima das pessoas, de reconhecer a importância do trabalho que elas realizam e, principalmente, da contribuição que elas têm para a cultura do Estado. O evento contou com mestres em seus 80, 90 anos de idade, que mostraram seu ofício, sua arte e a relevância de serem reconhecidos como Mestres da Cultura. São eles que mantêm viva a nossa história, nossa identidade, e é esse reconhecimento que fortalece toda a nossa cultura”, afirma Cláudia Brilhante.

Reunindo povos originários e comunidades tradicionais do Ceará, o evento contou com representações indígenas, quilombolas, ciganos, sertanejos e serranos de 49 municípios cearenses, que participaram ativamente de uma programação voltada para promover a difusão de suas identidades.

 

Reencontro com as raízes

Ao longo de quatro dias, Viçosa do Ceará viveu um reencontro com as raízes mais profundas. A programação do evento – distribuída também pelas cidades vizinhas de Ubajara, Ibiapina e São Benedito – incluiu rodas de saberes, vivências imersivas, oficinas, trilhas ecológicas, socialização de práticas alimentares, desfiles de vestimentas tradicionais e apresentações socioculturais. 

Esses saberes também foram materializados em formas e texturas para exposição na feira “Onde há rede, há renda”, que se dedicou à apresentação e comercialização de produtos e artesanias tradicionais. Entre xilogravuras, artefatos em couro, esculturas em madeira, bijuterias com sementes nativas, búzios e conchas, produtos naturais e peças elaboradas com fibras vegetais, o público pôde contemplar a profundidade estética e sustentável dos modos de vida dessas comunidades.

O som dos tambores, dos pífanos e das vozes ancestrais também ecoou pela serra por meio dos cortejos tradicionais que desfilaram pelas ruas junto com os reisados, bois e maracatus. O forró pé-de-serra e as bandas cabaçais marcaram presença com sua autenticidade, celebrando a força das tradições nordestinas em uma festa vibrante e carregada de simbolismo. 

 

Adriana Calcanhotto

O show intimista de Adriana Calcanhotto foi um dos momentos mais esperados do evento. Em um palco cercado pela névoa no Complexo Turístico da Igreja do Céu, a artista encantou o público com um espetáculo voz e violão, interpretando sucessos como Devolva-me, Esquadros e Vambora, além de canções de outros grandes nomes da música brasileira. Com sua sensibilidade característica, Adriana criou uma conexão direta com a plateia, ouvindo e atendendo aos pedidos vindos do público. 

 

“Esse formato voz e violão me permite vir a lugares como Viçosa e me conectar melhor com as pessoas. Posso adaptar o show na hora, cantar o que me pedem, coisa que, com a banda, seria bem mais difícil. Fiquei realmente honrada de ter sido convidada para o Herança Nativa. A gente tem muito a aprender com os povos originários, indígenas, quilombolas e com essa mistura de culturas e saberes”

Adriana Calcanhotto

 

Gastronomia como patrimônio

A gastronomia também teve seu destaque no evento, com um espaço especial dedicado à celebração da cultura alimentar. Em parceria com o programa Mesa Brasil Sesc, o Senac Ceará promoveu, no “DiCumê”, a socialização de receitas tradicionais desenvolvidas pelas comunidades participantes, fomentando o resgate e a valorização dos saberes cearenses.

Além das trocas culinárias, o espaço também se tornou um ambiente de escuta e reflexão. Quem chegou para compartilhar suas receitas também falou sobre a importância de preservar não só os modos de fazer, mas também os saberes e os recursos que sustentam suas culturas.

“A gente passa esse conhecimento de geração em geração porque sabe que, se não cuidar, a gente pode acabar perdendo o que é nosso. Cozinhar junto, compartilhar nossas receitas, conversar sobre o que sustenta nossa identidade, tudo isso mostra que comida também é memória, resistência e uma forma de existir no mundo”, afirma Nilton Kanindé, da Associação Indigena Kanindé de Aratuba.

 

Incremento ao turismo

O Herança Nativa não apenas atraiu um fluxo expressivo de visitantes, como também aqueceu a economia local dos municípios envolvidos. Com uma programação descentralizada, o evento fortaleceu o comércio, movimentou a rede hoteleira e se tornou um espaço de encontro para quem busca experiências culturais autênticas. Ao promover a diversidade de saberes e expressões, a iniciativa contribuiu para posicionar a Serra da Ibiapaba como um território estratégico para o turismo sustentável no Ceará.

Para o consultor de programação social do Sesc, Paulo Leitão, a ação foi decisiva tanto para dar visibilidade ao patrimônio cultural da região quanto para impulsionar o seu potencial turístico.

“Viçosa do Ceará e toda a Ibiapaba são territórios que expressam a diversidade e a riqueza cultural do Estado. Aqui, povos de diferentes origens, com saberes, culturas e modos de pensar diversos, se encontram e mostram que é justamente na diferença que nasce o diálogo e se constrói o coletivo”, destaca. Para ele, é esse intercâmbio entre tradição e vivência turística que torna a região ainda mais pulsante.

 

O futuro das tradições e as novas gerações

Um dos pontos compartilhados nas rodas de saberes foi o desafio da sucessão cultural. Muitas comunidades relataram que as novas gerações têm se afastado dos saberes dos mais velhos, comprometendo a continuidade de práticas centenárias. O tema acendeu alertas e reafirmou a importância de criar estratégias que estimulem o orgulho pela herança cultural.  

Nesse contexto, o olhar atento do Sesc se revela fundamental. Projetos como o Herança Nativa são resultado de um trabalho permanente do Sistema Fecomércio Ceará, que atua o ano inteiro em prol da cultura popular. Mais do que um evento, a iniciativa fortalece redes locais, estimula o protagonismo comunitário e reconhece a diversidade como um pilar do desenvolvimento humano e sustentável.

Ao final do encontro, permanece a certeza de que, mesmo quando invisíveis, as sementes do saber plantadas nesse território florescerão. 

 

Saiba Mais: O Herança Nativa nasceu como extensão do Encontro Sesc Povos do Mar, com o objetivo de mostrar várias etnias, que vivem longe do litoral e tinham a necessidade de serem vistos e reconhecidos. Como uma colcha de retalhos, o evento foi reconstituindo, aos poucos, a identidade cultural e social do Estado, reunindo os povos originários e, assim, revelando o Ceará para ele mesmo, através da difusão e valorização da sua identidade.